Texto de 2010
Livre adaptação do clássico Laranja Mecânica, Toltchok é parido como um exercício cênico na Praça Roosevelt.
Mas isso é papinho modesto. Tudo bem, o grupo é um punhado de estudantes de um curso do Satyros e que, para brindar e provar que algo valeu das aulas, encenaram a referida obra de Burgess. É como se fosse uma apresentação de final de ano da escola, com o perdão da má provocação. Mas mesmo assim, é modéstia achar-se um mero exercício cênico diante da força da história e, pasmei, a qualidade da peça.
Falo assim, pois acompanhei, senão de muito perto a preparação de alguns personagens, ao menos colhi suas impressões de muito antes à estreia, e a expectativa era de aplaudir AO MENOS a coragem de aparecer, pois a sensação era de que a peça seria um fiasco senegalês. Mas não estou aqui para expor esses pormenores de pré-produção, não é mesmo?
De uma forma geral, o resultado é assustadoramente superior às expectativas criadas – talvez criadas propositalmente de forma negativa para que qualquer resultado seja um lucro; um veeelho truque barato. Mas a surpresa, justiça seja feita, é muito mais pela qualidade da peça do que pela baixa expectativa criada. Claro, a história ajuda, mas o que realmente impressionou é a desenvoltura de alguns tais ali no meio.
A adaptação da história é inteligente; não reproduz ao pé da letra o texto literário, mas o traz para um contexto muito mais nacional ao incluir elementos de nossa cultura (queira ou não), como as inserções de funk ou um programa de auditório, posicionando a história e todo seu papel de violência extrema de forma bastante adequada à nossa própria realidade – em tempos de agressões gratuitas nas ruas de São Paulo, este blogue¹ fez uma ótima relação entre a obra, a peça e a situação nas ruas de SP (eu já havia indicado essa resenha anteriormente, mas é muito boa, vale ser lida).
De ruim, talvez alguns erros irrelevantes de estreia na sonorização e, na opinião desse que escreve, a falta de termos ‘originais’ que estão presentes no livro. O texto da peça até tenta usar uma ou outra palavra inexistente no vocabulário, mas as inserções são tão tímidas que soa inadequado e não um linguajar dissidente, estranho e marginal como é no original.
No papel de Alex, Felipe Zacchi sai completamente de sua personalidade e assusta seus amigos² estuprando bonecas, mostrando que não é mais um marido recém chegado³, mas um ator em pleno desenvolvimento; e é de se respeitar as garotas que aparecem em menores ou nenhum traje para acompanhar a trama, sem nunca parecer um exagero ou um exercício livre de tentar chocar a plateia como costuma acontecer em outras peças da casa. Esse posicionamento claro do Satyros em algumas peças feitas com a única finalidade de se mostrar uma boceta, um pau, uma gozada só pra chocar sua plateia é bem… bobo.
A boceta, o pau e a gozada, estão presentes em Toltchok, mas são reféns de uma história fodida em que todos esses elementos não são individualidades importantes e pelos quais a peça gira em torno, pelo contrário: são esses elementos de erotismo grosseiro que dão a real noção de baixeza e violência inseridas em Laranja Mecânica.
É o clichê mais óbvio: de quando os elementos trabalham a favor da história, e não o contrário (como costuma acontecer em outras peças satyrianas).
A exibição durou 3 sábados seguidos, sempre com lotação máxima e ótimas impressões. Infelizmente, não farão mais apresentações mas há, na boca miúda, a chance de que reapareçam o ano que vem. E a torcida que fica é essa: para que retornem aos palcos, e assim que fizerem, este Sanduba dará o aviso e um toltchok na cara de quem não for.
Bruno Portella
¹Escrito por Luísa Valente no blogue Antroexposto Diálogos.
²Felipe Zacchi é amigo daqui.
³Felipe Zacchi atuou em Chego mais cedo em casa.
²Felipe Zacchi é amigo daqui.
³Felipe Zacchi atuou em Chego mais cedo em casa.