(Transcrição de um sonho de sábado)
O desespero nas ruas da cidade; uma cidade pacata, de poucos prédios e muita árvore. Pessoas corriam nas ruas, é de dia ou de tarde. Fogiam dos zumbis. Dos macacos-zumbi.
O que havia determinado essa condição de caçadores aos macacos da cidade (e até a alguns humanos) era indefinido, certo mesmo era o perigo de suas mordidas e a fúria com que caçavam. Eu fugia também. E nesse passo desesperado, entre a urbe em pânico – feito início de São Silvestre, arrepiei subir a escadaria de um estúdio azul que todos evitavam, ou nenhum dos desesperados via absolutamente.
Era de um menino sem rosto que não se encontrava em casa – primeiro, eu fechei as portas para evitar possíveis símios enlouquecidos. Era um estúdio todo azul, inteiramente pintado de azul real, completamente vazio, com exceção da garba cozinha de despensa cheia e uma conexão de internet ótima – wifi, sem pedir senhas.
Comi, caguei, e logo apareceu o dono, que não se importou em me ver ali abrigado, compreendendo a situação. Mas pouco tempo se passou na tranquilidade, pois, dezenas de pessoas compreenderam que ali estava um lugar seguro e com comida – e passaram a entrar acotovelando-se uns aos outros na entrada. Abrigaram-se todos no estúdio azul do menino que, bom moço, não podia enxotar a todos dali.
Dias (horas ou só segundos, depende do tempo do sonho) passaram-se, e a comida começou a escassar – grupos saíam para caçar os animais que não haviam zumbificado para poder viver. E por dias e dias, pela internet, eu continuava a me conectar com outros sobreviventes do próprio bairro. Leandra, uma vizinha que eu já havia tido contato muito antes da contaminação (se é que me entendem por contato), por exemplo, gabava-se de sua mansão recheada de comidas e víveres dos mais diversos. Eu sempre duvidava, pois achava aquilo impossível, principalmente por não acreditar que poderia haver alguém vivo ainda, que não estivesse dentro daquele estúdio azul.
Mas as coisas começavam a ficar complicadas, então decidi apostar naquela verdade – ela me passou o endereço de sua casa e eu fui firme: estava indo. Ela duvidou, mas eu desconectei.
E então, metamorfoseado em esquilo, atravessei o ambiente dos macacos e das pessoas zumbificadas e cheguei ao endereço dado. Cortei caminho como um bom esquilo, e acabei de cara com a casa, mas do outro lado da rua e por detrás de uma cerca branca – onde se apoleiravam diversos macacos brancos (talvez tivessem se tornado albinos enquanto zumbis). Todos ali esperando apenas o sol descer para iniciar mais uma noite de baderna na casa de Leandra, tentando entrar e morder-lhe as entranhas.
Atravessei sem ser notado e percebi que todas as janelas estavam trancadas, e eu consegui apenas entrar por um buraco mínimo em que apenas um esquilo passaria. E ali dentro eu a vi, a tal Leandra via um filme e estava de saída da sala para atender a emregência de uma panela no fogo. Aproveitei o momento para fazer uma cena: metamorfoseei no meio da sala (e ganhei roupas, não sei como) e esperei ela voltar com aquela cara de quem diz com os olhos: eu disse que vinha; esperando aquela surpresa gostosa.
Quando ela voltou, ela realmente se surpreendeu como eu esperava (é meu sonho, o que você esperava?). Usava um vestido branco na maioria com flores azuis claras. Não dá pra negar que ela estava bonita, embora toda essa invasão. A noite entrava, e não demorou para os macacos atacarem, mas ela nem deu bola – acostumada. Com a desculpa de estender algumas roupas (?), acabamos na lavanderia, e foi lá que conversamos de tantas coisas, onde nos abraçamos, e foi onde eu disse que ali naquela noite, ela estava muito bonita – e eu morria de vergonha, doença que não me abandona nem em sonhos.
E então nos beijamos, e havia um perfume no seu colo.
Voltamos para a sala, já com as roupas devidamente estendidas, e feito crianças, vimos um filme rolar na tevê – era uma perseguição no deserto que terminava em explosão. Adoramos.
Pela manhã, eu subi no telhado da casa para olhar em redor. E dei de cara com um lince preto, um lince preto com um pombo sangrando na boca. Olhou-me com fúria em vias de me atacar, e nos olhos dele eu entendi que ele me achava (enquanto raça humana) o responsável mais óbvio por aquele apocalipse todo. Mas eu tentei dialogar, e mostrando a cerca do outro lado da rua, apresentei os zumbis albinos zumbis – e ele compreendeu naquele meu gesto, que eu estava do seu lado.
(Acordei.)
E foi assim, que o final mais provável, seja aquele em que o lince preto uive feito um lobo (ainda que não seja fato que uivem) e a matilha de seus gatos silvestres arrasassem com aqueles macacos-brancos exterminando a contaminação e deixando aquela rua ladeada de árvores para ser vivida por Leandra e seu novo romance: um esquilo.
Bruno Portella