Sonhei com meu pai.
Isso me despertou às seis da manhã com mil pensamentos.
Ele estava morando na casa da minha vó, construída por meu avô, que ele gostava tanto.
Mas a casa ficava na nossa rua, com o mesmo vizinho da direita pra quem entra: o Gibinha.
Mas perto da rua, tinha um campo enorme com um monte de vista bonita, e umas poltronas pra ele sentar e ficar olhando.
Eu estava dormindo na sala da minha vó, a principal, minha irmã em outra.
Alguém rondava, e eu achei que fosse uma invasão, mas era uma garota falando espanhol pedindo dinheiro, eu disse que não tinha nada, ela fez uma oração por mim, bem brava e foi embora.
Houve também um momento em que eu fui ao segundo andar da casa, um sobrado, e desci do janelão para a garagem, como eu sempre quis fazer quando criança e desci pelo carro e encontrei o Muricy Ramalho, que nada tem a ver com meu pai e nem falecido está. Vai entender. Falei brevemente sobre futebol e saí dali.
Depois encontrei meu pai nesse monte, ele fumando, sóbrio, tranquilo, me falou que conhecia a garota. Seu nome eera Gabriela e que às vezes ela aparecia mesmo.
Aí eu entendi que aquele era um lugar familiar pra ele. Fiquei em paz.
Então comecei a ter memórias de passear com minha mãe na Heitor Penteado, que era a avenida que ficava acima do monte em que ficava a casa da minha vó. E em uma dessas viagens, como em uma memória, me vi dentro da casa dessa menina Gabriela, que morava sozinha e tinha várias coleções curiosas. Era mesmo como uma garota de rua, muito simples e que eu já havia ajudado ela antes.
Fiquei com a impressão de que eu também já a conhecia naquele lugar, mas naquela vez, como se eu tivesse tomado o corpo dessa versão do Bruno, eu fui com as minhas memórias de cá, e portanto não sabia quem ela era. Eu tive a certeza de que a versão do Bruno de lá, também tinha uma vida e suas conexões.
E então me senti meio mal de ter tratado ela mal.
Acordei com essa sensação de que meu pai estava em um lugar de paz, onde ele gostava: na casa da vó, rodeado de pessoas familiares àquela nova realidade. E eu também existia ali em certo contexto. E ao visitá-lo, tomei o corpo e a mente dessa versão, mas sem suas memórias. Meu pai não estava surpreso de eu aparecer, e estava em paz.
Fiquei feliz.
Ao acordar, algo incrível. Me veio rapidamente pensamentos sobre como eu e ele somos parecidos.
Muito focados, às vezes hiperfocados em algumas coisas; eu tenho episódios de hiperfoco, e sempre acabo fazendo algo absurdo (como editar vídeos de duas horas sem conseguir parar, escrever, gravar projetos, trabalhar com planilhas, tudo em um modo de extrema atenção em que nada ao redor parece importar). Meu pai talvez tivesse isso também, mas ele focava na bebida.
E isso destruiu tudo que ele tinha até o levar à morte ao final.
Destruiu suas relações pessoais, pois ele era uma pessoa extremamente carismática. Seu trabalho, pois ele era extremamente eficiente, organizado, inteligente; formado em contabilidade na USP, empregado importante e reverenciado no IPT. Até que o álcool o tornou impossível de conviver e de trabalhar.
E esse meu hiperfoco, esse meu apreço por planilhas (céus, ele me perguntava tanto sobre isso, e hoje eu sei tanto, ele iria ficar chocado com essa minha nova versão). Eu já ouvi mais de uma vez de familiares que não sabem de onde vem esse meu foco pra estudar, pra me organizar, pra ser centrado. E hoje eu sei que veio do meu pai, que eram valências que ele tinha e que eu só descobri revirando seus documentos depois que ele faleceu. Mas tudo isso o álcool escondeu de todo mundo.
Eu sou muito meu pai.
(Acordei agora a pouco e precisei saltar da cama pra escrever essas palavras, às vezes é assim. Domingo, 22 de Junho de 2025)