Eu que não sou dado à poesia, já avisei mil vezes. Não me venha cantar poesia pro meu canto, eu não entendo, e tem prosa boa demais pelo mundo pra eu ficar horas e horas decifrando verso por verso – caraio.
Você gosta, ótimo. Lê ali pro outro lado.
Ontem, benquisto domingo, fui à UNESP, faculdade intelectual aqui de sampa ver a adaptação do poema O Rio, de João Cabral de Melo Neto, cabra que conheço só de nome. Uma adaptação malemá dita como um mero exercício para o curso corrente dos moços balangandãs e das minas tchantchantchans.
Porra, animal!
Me jogou na cara duas coisas: como eu sou fraco pra poesia, e como existem leituras milhares entre um verso e outro, interpretações, visões, figuras, que eu mesmo não me dou ao trabalho de ficar pensando. Mas agradeço a Jesus, aquele senhor no botequim da vida, a ter dado criatividade pra essa galerinha empolgada a fazer uma leitura muito criativa em cima de um poema quiçá longo demais pra eu investir meu tempo (mordi a vontade de dizer que gastaria meu tempo; eu te respeito, sabe).
Montada com base no teatro visual (fiquei confuso com as explicações didáticas do dito professô, não é tudo visual, por caralhos?). A mistura do corpo humano e bonecos ventriloquados tão humanos quanto o pinto do moço que gira o grão visual da areia imperfeita.
Saleta escura de tudo, areia pra tudo que é lado e aqueles caras ali fazendo o Rio (narradô do poema) deixar claro pra quem estivesse vendo o drama da seca no nordeste (e que persiste) tão bem capturado pelo Cabral de Melo. E no final, ao perguntarem para uma garotinha o que ela tinha achado – entre risos e torcidas – a mãe entregou um desejo que me dominou desde o começo: a piázin tava morrendo de sede.
Não deu outra, saí pra traçar um golão dágua depois. Secura da porra.
Curti demais a adaptação dramática, os bonecos eclipsavam completamente as silhuetas pretas que os comandavam (tirando o pássaro gigante), e os homens sofriam na sua cara em meio a areia no chão, areia caindo, areia na boca (!) uma trilha sonora extenuante, um lugar quente. Ficou uma releitura de um poema escrito colocado nas quatro dimensões da percepção. Saquei direitinho.
Eu indico. Se puder, vá ver. Quando puder, na verdade. Eles ainda estão na fase de exercício (fala sério), mas parece que liberam a peça no final do ano, ou antes mesmo.
Atualizo por acá.
Avante, João Cabral, segue o poemão no link abaixo (que não li e não vou ler =) mas tem essa passagem, que os atores remedam na peça, que eu achei de força incrível. Que foda – mas prefiro o ator cantando, do que eu lendo, desculpa:
Por trás do que lembro,
ouvi de uma terra desertada,
vaziada, não vazia,
mais que seca, calcinada.
De onde tudo fugia,
onde só pedra é que ficava,
pedras e poucos homens
com raízes de pedra, ou de cabra.
Lá o céu perdia as nuvens,
derradeiras de suas aves;
as árvores, a sombra,
que nelas já não pousava.
Tudo o que não fugia,
gaviões, urubus, plantas bravas,
a terra devastada
ainda mais fundo devastava.
O poema inteiro: http://www.revista.agulha.nom.br/joao05.html
Bruno Portella