Em um quarto escuro, o soluço do choro era forte o suficiente para que, mesmo cego, um qualquer soubesse a sua origem.
Ainda que visse, no espelho não veria nada.
Seus olhos viraram para dentro e tornaram-se inúteis para as luzes do mundo. Agora via com clareza os diferentes tons do negro escuro do seu próprio interior. Enxergava-se melhor agora.
Muito tempo passou, ainda quando via, tentando pôr no branco do papel palavras que traduzissem sua lenta iminência de noite eterna. Ponto curioso, quando se convenceu de que o destino da luz para si estava morrendo antes do momento apropriado – ideal seria que corpo e luz morressem ao mesmo tempo.
Mas para ele, a agonia da luz foi lenta. Atento, procurou não dormir durante meses a fio, para não perder a passagem do claro para o escuro. Para que não perdesse uma nuance sequer da escala de cinza que ia se alimentando das cores e o jogando no infinito escuro.
Maior ainda foi seu gozo quando notou o primeiro tom distinto de sua total escuridão. Parecia ver de novo, tamanha gama de pretos que via, ou achava que via, ou sua mente simulava.
De olhos abertos, cegou. Mas logo que cegou, não chorou mais.
Bruno Portella
| foto de Diógenes Muniz