(Texto resgatado, resenha do livro Sonhos de Bunker Hil, de John Fante)
“Minha idéia era escrever uma frase, uma única frase perfeita. Se pudesse escrever uma frase boa, escreveria duas, e se pudesse escrever duas, escreveria três, e sepudesse escrever três, escreveria para sempre.” Arturo Bandini
“Sonhos de Bunker Hill” é o último livro de John Fante. Traz de volta seu alter ego Arturo Bandini para as ruas de Los Angeles. Fante, que não conseguia mais escrever devido à cegueira – a diabetes lhe rendeu ainda duas pernas a menos – ditou a história para sua mulher, Joyce, tão incapaz de parar de escrever.
“Bandini é humano”, diz um amigo meu. E não falha, pra variar, embora acerte o foco dessa vez. O personagem principal é sentimento, é coração, é um pouco cuzão; fica fácil nos identificarmos com ele, pois ele é vulnerável, ele é falho e não carrega aquele ar superior e foda que permeia tantos protagonistas.
Não, Bandini apenas quer um emprego digno e criativo e neste livro se envereda pelo tráfico de roteiros para Hollywood, essa fábrica de sonhos. Quer apenas uma grande mulher ao seu lado, para quem possa ligar caso seja preso em rodadas loucas de xadrez. Ardoroso fã de um bom rabo, ele é sagaz e safado – quando chora, chora, mas se a loura da secretária encarece de pena e aveluda ainda mais o carinho, ele então força ainda mais o choro; danado.
O livro é um delicioso passeio pelo cotidiano de Bandini e os personagens que o habitam são fantásticos – o roteirista maconheiro levemente homossexual que recebe Bandini em sua casa, o lutador odiado e completamente devorado pelo mundo das lutas, a roteirista completamente deslumbrada com o mundo da fama e seus ícones – de quem Bandini nutre um profundo desprezo, mas que não faz tão diferente entre seus amigos caipiras do colégio; naquela reunião, ele é o roteirista deslumbrado, superior, habitante da alta-sociedade. E acaba a noite com um nariz quebrado de volta à Hollywood, como se a volta para casa fosse apenas uma pausa no sonho.
Sobre as mulheres de Bandini, em determinada página, foi compulsório parar a leitura apenas para anotar o nome de uma delas com uma demarcação: como essa mulher me irrita (eu, que sou Bandini). Uma página mais e sofria tanto com Bandini por ela, e somente duas depois que me sentei com ele à frente da máquina de escrever, torcendo para que conseguíssemos verter mais caracteres para eu não ter que calar aquela página com a contra-capa. Não funcionou.
É um grande livro, ainda que, no final, aquele gosto de Pó na boca me faz lembrar de um momento melhor de Fante.
Bruno Portella – 03/2009