Um personagem que se deixa acontecer, quase uma vida letárgica.
Li recentemente O Estrangeiro de Albert Camus (até onde parece, o primeiro romance do escritor francês). Livro curtíssimo, extremamente fácil, mas ainda assim bastante claro e latente do sentimento que nos deixa de seu protagonista.
Um protagonista que vai até o asilo em que sua mãe está internada para receber a notícia de sua morte e participar de seu funeral – daí em diante, sua volta a Argel, seu romance frio com uma colega de trabalho, sua relação fluvial com seu vizinho até culminar no fato maior do livro que o leva à côrte de justiça.
O livro não é sobre uma grande história, de grandes eventos ou mesmo ensinamentos – o livro é sobre o personagem que simplesmente vive, mas que vive quase completamente alheio aos acontecimentos ao seu redor e, principalmente, muito longe de corresponder àquilo que esperam dele (e à certa medida de seu julgamento final, é posto à prova por assumirem que ele simplesmente não tinha coração, apenas pelo fato de não ter demonstrado frente ao caixão de sua mãe, com choros, declarações e afins).
E é agoniante ver como o personagem simplesmente se deixa levar em todas as situações, ele simplesmente segue uma linha sem fazer concessões de escolhas ou desenvolvendo uma preferência por uma coisa ou outra, ou mesmo encerrando um relacionamento do qual ele claramente não corresponde às juras da mulher.
Ele simplesmente vive.
E, num parágrafo pessoal, me vi muito naquele personagem – de alguém, não que desiste de tudo, mas que simplesmente não vê mais valor nos sentimentos de uma camada social que só podem pô-lo cada vez mais pra baixo, sem necessariamente resgatá-lo se preciso. Não preciso
É curioso O Estrangeiro, ele é o Estrangeiro, o estranho, o deslocado naquela sociedade que espera dele lágrimas, espera dele sentimentos profundos (nem que sejam falsos). Espera ver, espera transbordar – nem que seja cena. E o estrangeiro simplesmente vive, pra ele, dentro dele.
Me lembrou muito a parte final da trajetória de Pink, protagonista do filme The Wall, que tem em Confortably Numb seu momento máximo de alguém que simplesmente construiu um muro para si. Embora não seja possível desvendar o passado do personagem de Camus, nem de afirmar que seu deslocamento, sua estranheza, sua abdicação social seja de raízes parecidas ou até viscerais, são dois exemplos claros de uma pessoa que se vê estrangeira no seu meio – seja uma cidade argelina, ou um circo de sucesso.
No mais, o livro é ótimo justamente por esse desmembramento de seu personagem e funcionará melhor, se você se identificar – por pior que seja.
Bruno Portella