Ela chega cedo.
Entra, senta, olha o relógio.
Ansiosa, cruza as pernas e abre um sorriso contido, tímido. Torna a olhar o relógio, mas agora o de cima do balcão com medo de que o seu esteja errado; não, alguns segundos de diferença apenas, nada que lhe aflija. O café não está cheio, mas meia dúzia de suas mesas está ocupada por empresários lendo o jornal da manhã ou por grupelhos de estagiários chegando de longe para a labuta.
É bonita; nova, mas de rosto sereno, nem de longe uma moleca como aquelas primeiro-anistas. O sorriso, no começo, é contido e querendo explodir no rosto; mas vinte e sete cruzadas de pernas intercaladas e outras tantas olhadelas para o relógio e o riso já se alivia no canto da boca dando lugar à uma expressão muito mais ansiosa do que feliz.
O grupelho deixa o local e se dirige ao início de seus trabalhos, o velho empresário termina a sessão de economias e, escondidinho, dá uma olhada na tabela do brasileiro. Sai altivo com aquele aceno de cima pra baixo. Por momentos, apenas a menina sobra no lugar; sem atenção.
Pessoas entram e saem rapidamente sem passar do balcão, fazem o pedido e voltam para a rua. A garota continua ali, impaciente e muda de lugar, agora um pouco mais próximo da janela. A visão da esquina desobstruída por carros estacionados; sim, dali era perfeito. Repousou a cabeça na palma da mão e brincou com o açúcar derramado na mesa.
Faltava pouco, mas parecia muito. Chegara cedo demais e quanto menos minutos faltavam, maiores eles pareciam. Um carro rápido cruzou a avenida e ela olhou atenta, erguendo os olhos, como se adivinhasse o momento certo do evento. Nada. O carro apenas estacionou bem à sua frente e uma moça, apressada, saiu do carro com suas pastas e entrou no prédio comercial ao lado do café.
A rua estava apinhada. Carros passavam e passavam, e ela na verdade apenas dedicava-se a olhar para eles. Não lhe interessavam as cores, mas sim a prata da maioria dos carros. Tinha ele que ter um carro prata? Todos têm.
Havia mais gente agora no café, as garçonetes trabalhavam mais, embora continuassem deixando-a em paz, como se ela mesma deixasse bem claro de alguma forma que não queria ser importunada. Até que aconteceu. De longe, o som de um motor mais alto chamou sua atenção; atravessou a avenida rasgando e, interpelado pelo globo vermelho da sinaleira, tomou a esquerda e parou somente com a força reativa de um poste destro. O metal amassando produziu um som terrível; a garota abriu um sorriso e seu coração, se o tivesse, acelerou forte. Levantou-se e todo o café fugiu afora; somente ela ficara no vitral olhando a aglomeração de pessoas curiosas a ver, com sorte, o cadáver repartido.
Não lhe importava o cadáver. Viu um rapaz sair da multidão e caminhar até o café em que ela estava; despercebido, alheio. A garota, sempre atenta, deu uma última olhada ao relógio do balcão: 9:33.
– Você está atrasado. Trouxe mais alguém? – perguntou preocupada e ele, idem, olhou para o local do acidente.
– Espero que não.
Sorriram. Beijaram-se.
Ninguém viu.
Bruno Portella
| foto de Diógenes Muniz
Entra, senta, olha o relógio.
Ansiosa, cruza as pernas e abre um sorriso contido, tímido. Torna a olhar o relógio, mas agora o de cima do balcão com medo de que o seu esteja errado; não, alguns segundos de diferença apenas, nada que lhe aflija. O café não está cheio, mas meia dúzia de suas mesas está ocupada por empresários lendo o jornal da manhã ou por grupelhos de estagiários chegando de longe para a labuta.
É bonita; nova, mas de rosto sereno, nem de longe uma moleca como aquelas primeiro-anistas. O sorriso, no começo, é contido e querendo explodir no rosto; mas vinte e sete cruzadas de pernas intercaladas e outras tantas olhadelas para o relógio e o riso já se alivia no canto da boca dando lugar à uma expressão muito mais ansiosa do que feliz.
Pessoas entram e saem rapidamente sem passar do balcão, fazem o pedido e voltam para a rua. A garota continua ali, impaciente e muda de lugar, agora um pouco mais próximo da janela. A visão da esquina desobstruída por carros estacionados; sim, dali era perfeito. Repousou a cabeça na palma da mão e brincou com o açúcar derramado na mesa.
Faltava pouco, mas parecia muito. Chegara cedo demais e quanto menos minutos faltavam, maiores eles pareciam. Um carro rápido cruzou a avenida e ela olhou atenta, erguendo os olhos, como se adivinhasse o momento certo do evento. Nada. O carro apenas estacionou bem à sua frente e uma moça, apressada, saiu do carro com suas pastas e entrou no prédio comercial ao lado do café.
A rua estava apinhada. Carros passavam e passavam, e ela na verdade apenas dedicava-se a olhar para eles. Não lhe interessavam as cores, mas sim a prata da maioria dos carros. Tinha ele que ter um carro prata? Todos têm.
Havia mais gente agora no café, as garçonetes trabalhavam mais, embora continuassem deixando-a em paz, como se ela mesma deixasse bem claro de alguma forma que não queria ser importunada. Até que aconteceu. De longe, o som de um motor mais alto chamou sua atenção; atravessou a avenida rasgando e, interpelado pelo globo vermelho da sinaleira, tomou a esquerda e parou somente com a força reativa de um poste destro. O metal amassando produziu um som terrível; a garota abriu um sorriso e seu coração, se o tivesse, acelerou forte. Levantou-se e todo o café fugiu afora; somente ela ficara no vitral olhando a aglomeração de pessoas curiosas a ver, com sorte, o cadáver repartido.
Não lhe importava o cadáver. Viu um rapaz sair da multidão e caminhar até o café em que ela estava; despercebido, alheio. A garota, sempre atenta, deu uma última olhada ao relógio do balcão: 9:33.
– Você está atrasado. Trouxe mais alguém? – perguntou preocupada e ele, idem, olhou para o local do acidente.
– Espero que não.
Sorriram. Beijaram-se.
Ninguém viu.
Bruno Portella
| foto de Diógenes Muniz