A Virada cultural reservou para o fim-de-semana paulistano mais de 800 atrações polvilhados em muitos pontos da cidade, mas, de forma majoritária, distribuídas nas ruas do centro antigo – que só parece ficar bonito com as intervenções artísticas do evento.
Bonito olhando para cima, as luzes, projeções, dançarinas voando, bandas tocando, pois se ousarmos dar uma olhadela pra baixo: sujeira, mijo, vômito e toda sorte de porcaria. O evento contou com um adendo de emoção nesta edição: o governo de São Paulo, inteligentíssimo, interditou a estação República, coração do palco rock e itinerário necessário para acessar ao menos 10 palcos com mais facilidade. Nem preciso dizer que a solução viária que eles encontraram foi um desastre.
Mas esta não será uma sessão ‘eu também vou reclamar’, não. Vou falar de um lugar específico.
Havia, certeza, entretenimento para todos os gostos, mas talvez não seja exagero notar que o palco mais honesto e alegre era aquele que homenageava Raul Seixas.
Atrás da Estação da Luz, de frente ao Big Ben tupiniquim, haviam centenas e milhares de Raul-Seixistas distribuídos por todas as camadas sociais – ali você canta com um mendigo de um lado e uma patricinha de Beverly Hills de outro, logo a frente uns caras mal encarados de coturno sorrindo e dançando o Plunct Plact Zum feito crianças.
Ambulantes largam suas muambas e, alegres, cantam em bom tom o S.O.S. da vida; e não é incomum você se perceber abraçado com figuras estranhas cantando o que Raul foi e sempre será (se dente do tubarão ou a letra ‘a’ em nosso nome). O mais comovente é notar que todas aquelas pessoas estão ali por que realmente gostam de Raul, o show não se resumia apenas aos hinos comerciais que invadiram as propagandas da década de 90 ou as festinhas retrô. Não, aliás Sim, estava lá músicas como ‘O Homem’, ‘Peixuxa’ e milihares de outras de pouco que compõem a extensa discografia do bahiano (seus álbuns foram todos tocados na íntegra). Portanto, se estava lá, é por que gostava de Raul.
Se há de ser tudo da lei na Lei de Thelema, Raul teria gostado desta homenagem bonita que foi feita para sua obra. E foi tudo realmente da lei, rolou rock das aranhas no chão, rolou tia da bolívia, rolaram os pegas e pagues do mundo, muita felicidade e dança com o róquenrou cheio de estripulia do maluco beleza – que caminha do rock clássico para o bolero em uma faixa.
Afetado pela paixão, talvez, mas Raul continua sendo a expressão musical mais sincera, honesta e diversificada que esse país já produziu – nada chega perto do legado que este homem nos deixou; e são homenagens como o desta Virada que só deixam claro que ainda há pessoas que o entendem e que valorizam seu trabalho.
Ficamos na esperança de que não tenhamos que esperar mais 10 anos para um repeteco. São 20 anos sem Raul e, por mais que ele queira ir, nós o convencemos a resolver ficar.
Bruno Portella