Morumbi, 06 de outubro. Noite ligeiramente fria, sem nenhuma perspectiva de chuva. Perfeita para um grande show.
Sobre o público ou sobre a Fresno ou sobre o Rock Nacional
Só havia, talvez, cinco pessoas que durante uns quarenta minutos não compartilharam do clima gostoso da noite: a banda Fresno. Desde que foi anunciada, estava na cara que havia sido um erro, uma tremenda falha da organização. Posso abstrair que, talvez, tenha sido um absurdo otimismo em imaginar que pela incrível disparidade de gêneros musicais, a banda seria abraçada pelo público justamente pela diferença. Nem perto disso. A banda entrou sob vaias, foi vaiada a cada final de música – que a cada uma que terminava encurtava – viu dancinhas irônicas, dedos em riste, xingamentos, costas para o palco; a sensação de ‘vergonha alheia’ se espalhou pelos poucos que, ao final, aplaudiram a banda. Bem poucos.
É uma certa burrice da organização não prever esse tipo de reação caipira do público. O público se acha muito ‘rocker’ – quando a banda principal da noite não faz nada tão ‘rocker’ desde os anos oitenta, flertando com o country, o pop e as músicas românticas com uma frequência incrível – antes que achem que critico o Bon Jovi, não é crítica, é uma constatação que suas influências mudaram e é bom que tenham mudado, ou eles seriam hoje um Skid Row da vida e não a banda gigante que continuam sendo.
Não estou, também, defendendo o Fresno, mas acusando o público de ser tacanho, por que é, mas isso nunca mudará. O ‘tal’ público das bandas internacionais de rock é intolerante e bobo, até mesmo com o que temos de bom no rock nacional – e não estou falando de Fresno de novo. O repertório da banda durante a abertura, um hardcore melado e chato, mostra que realmente não dá pra entender a escolha, o tão odiável emocore desfilou como se fosse a coisa mais normal do mundo – salvou-se apenas a ótima Revanche do álbum novo, com seus riffs de guitarra, que finalizaram o show. Realmente fraco. Mas compreensível, dada a recepção hostil da audiência. Nem as luzes se apagaram enquanto tocavam. Um desrespeito sem tamanho da maior parte do público; alguns, eu inclusive que tenho o coração mole, aplaudiram ao final de toda música e tentaram dar um suporte menos odiável. Entraram mudos, saíram quase calados.
Mas isso abre uma engraçada discussão: que banda poderia ter aberto? Sou da opinião de se valorizar o rock nacional, portanto deveria estar ali uma banda que toque rock e que, óbvio, se aproxime do público que foi lá pra ver Bon Jovi. Não temos essa banda. Nasi abrir para o AC/DC faz todo sentido; Cachorro Grande e seus flertes com o blues abrir para o Aerosmith também, mas e pro Bon Jovi, abre quem? Se o Roupa Nova tivesse uns pesos a mais de guitarra, seria uma boa opção. Se o Yahoo ainda tocasse, tabmém; e aí caímos nas opções ‘menores’ com público ínfimo que nem sempre refletem sua qualidade como o Pedra, como o fantástico Casa das Máquinas ou até mesmo o galhofa do LIONHEART (focófi). Penso que uma banda ‘grande’ como Titãs, Paralamas nem consideram esse tipo de abertura, pois sabem da caipirice do público e nessa altura do campeonato, não faz sentido eles arranharem um percurso incrível no mundo musical com um bando de chupa rola de estrangeiro vaiando eles. E eu faria o mesmo.
Sobre o show, enfim
Mas o público é uma massa que reage a estímulos. Não é exatamente um indivíduo. Enquanto Fresno tocava, comportavam-se feito babacas. Quando apagaram-se as luzes e a abertura se iniciou para o show do Bon Jovi, o público tornou-se mágico. Assim, num passe de mágica ou uma dedada no interruptor.
Eu gosto de cometer este pecado, por que, na ocasião, fiquei muito decepcionado com isso. Mas as meninas frenéticas, as senhoras enlouquecidas, os casais enamorados e os poucos homens (de calça de oncinha, bandanas, cabelo frizzado) foram um público mais empolgante que os mais de 60 mil pagantes do show do Iron Maiden em Interlagos. Talvez seja uma questão de gêneros – mas isso não perdoa o fato do público ficar parado enquanto toca Two Minutes to Midnight, pela mor; perdoasse, talvez, o fato do público Premium ser mais ‘contido’, chato e metido a besta mesmo. Mentira. Não é regra. O do Bon Jovi não tinha o menor pudor de se divertir e a recepção durante as músicas foi incrível.
O Morumbi lotado cantava em coro os grandes hinos da banda, que eles fizeram questão de tocar no show de 2h50 com 27 músicas tocadas. Isso sim é um show. Convenciou-se que hoje em dia os shows devem durar duas horas apenas, o que sempre deixa a impressão de que faltou algo. Ontem, não faltou nada. Quase 3 horas de show, 3 retornos ao palco e todos os clássicos passaram por ali. Um show grandioso. Como, infelizmente, só gringo sabe fazer. É terrível admitir isso, mas o que talvez chegue mais perto desse esmero de produção em arena e condução de uma arena (seja estádio, festival, multidões) seja o concerto da Ivete Sangalo (!), parece até que o rock nacional se apequena, com bandas que só conseguem tocar em bar, lugares minúsculos e etc.
O mais incrível é notar como há um roteiro por trás do show, há uma sequencia lógica de músicas que leva em conta a resposta do público e o próprio descanso da banda – Jon deixa Sambora cantar Lay Your Hands on Me com a galera, pra tomar um fôlego. E que fôlego. São 27 músicas altíssimas e, é claro, em muitas ele não alcança os agudos oitentistas (não deve cantar a puxada do refrão de Livin on a Prayer desde ’95), mas onde permanece sua voz, ela sempre está afinada.
O desfile de clássicos é o mínimo que a banda poderia fazer por um público que não os via há 15 anos e a tomar pela empolgação do público, não duvido que voltem na próxima turnê. Eu costumo dizer que o público de show de rock está piorando cada vez mais; cada vez mais se preocupando em gravar com suas câmeras digitais e menos em curtir. Pois nesse show vi coisas que eu só via em DVDs de shows antigos: cartazes, pessoas no ombro das outras, sutiens no telão, plateia cantando sem música, plateia pulando, plateia curtindo o show realmente.
Quando a banda se despediu enfim com Bed of Roses, a luz acendeu e Frank Sinatra cantou New York, New York para embalar a saída da galera, só haviam sorrisos no rosto das pessoas, grupos cantando Livin’ on a Prayer e uma extensa caminhada pra sair daquele cu de mundo. Uma incrível noite. Eu ousaria dizer, embora diga isso todo fim de show, que foi o melhor show do ano – suplantando o fantástico concerto do Guns e o divertidíssimo show do Aerosmith. Esse estava abarrotado de gente cantando todas as músicas. E o que faz um show, pra mim, é a plateia que, curiosa como é, consegue ser escrota propositalmente na abertura, e no final fazer desse show o melhor do ano until now.
Até agora, por que o que vai ter de tiete dizendo que o show do Paul foi o melhor do mundo, deuzolivre. Cometo o mesmo pecado que o vocalista da Fresno cometeu no tuínter: Sambora é maior que Lennon.
Sem mais.
Setlist:
1.Blood on Blood
2.We Weren’t Born to Follow
3.You Give Love A Bad Name
4.Born To Be My Baby
5.Lost Highway
6.Superman Tonight
7.In These Arms
8.Captain Crash & The Beauty Queen From Mars
9.When We Were Beautiful
10.Runaway
11.We Got It Going On
12.It’s My Life
13.Bad Medicine
14.Lay Your Hands on Me
15.Always
16.Blaze of Glory
17.I’ll Be There For You
18.Have a Nice Day
19.I’ll Sleep When I’m Dead
20.Work for the Working Man
21.Who Says You Can’t Go Home
22.Keep The Faith
Bis
23.These Days
24.Wanted Dead Or Alive
25.Someday I’ll Be Saturday Night
26.Living On a Prayer
27.Bed of Roses
http://tvuol.uol.com.br/#view/id=bon-jovi–blood-on-blood-0402983470CC8983C6/mediaId=6813841/date=2010-10-07&&list/type=user/codProfile=92db81ral8qx/