Bom demais.
Vi muito jovem, aos 15 talvez. Adorava as batalhas de robô gigante, adorava o visual dos Anjos e achava super adulto ver algo tão triste, tão sérião. Na primeira vez, óbvio, não tinha muita noção da profundidade dela.
Mas o que eu mais gostei quando jovem era que a obra me fez pensar em Deus. Ou na falta dele.
A série é muito mais sobre outras coisas, mas a minha primeira vez com Evangelion foi uma experiência divina. Num momento de convergência curiosa na vida em que fatos reais e ficcionais levantaram em mim a dúvida: será que Deus existe?
E ao final do processo, a conclusão de que não existia.
De novo: a série é muito mais sobre outras coisas do que o existir ou não existir divino. Se muito, Deus existe na série. Mas fora dela, me empurrou a duvidar.
De novo: na série, nada é dito sobre Deus existir ou não existir e, de novo: provavelmente ele existe ali. Afinal, os anjos são reais. As profecias se concretizam. Realmente houve um Adão, uma Lilith e os heróis da série são as Evas.
Ora.
Mas fora dela, foi uma das primeiras obras que mostraram para mim que era possível ver Deus e a teologia cristã de forma... deturpada. Eu pensava: quer dizer que os Anjos podem ser vistos como vilões? Como monstros? Não existe só aquilo que nos dizem na escola?
Ué, eu tinha 15 anos.
Evangelion foi parte dessa força (junto de outras obras). E foi importante.
Aos 18, revi novamente os episódios que tinha guardado e percebi melhor como era triste a vida do Shinji e como era forte sua (falta de) relação com seu pai. Por muito tempo, Evangelion pra mim era uma história de um garoto com problemas gravíssimos não resolvidos com seu pai e extremamente inadequado socialmente, sozinho.
Eu era esse garoto.
Mentira, talvez eu quisesse ser aquele garoto, afinal ele era o protagonista. Jovem, né.
Hoje, mais de 30, revi toda a série na Netflix, os filmes, li o mangá, terminei os três Rebuilds lançados e percebi que eu nunca fui aquele garoto, haha. Porra, nada a ver. Outros tipo de dilema, né.
E Evangelion continua incrível.
Tive medo de que soasse muito exagerado, muito draminha de adolescente, medo de ter me tornado cínico o suficiente pra ver a turma sofrendo e pensar: ah, cara, tu num paga nem boleto, segura aí um pouco.
Mas acredito que a história contada ainda é forte o suficiente para que exponha os dramas de cada um de maneira forte e eficiente. Não são dramas existenciais quaisquer. A dor é realmente profunda nessa turma.
Ê sofrimento.
Abaixo falo de cada uma das obras e o que penso sobre.
Série Animada Original
Uma obra prima. Do começo ao fim. Perfeita. Sem defeitos.
Mentira, eu comentei que ainda acho as escolhas de super sexualizar algumas personagens femininas muito desconfortáveis, principalmente quando são crianças. Ao mesmo tempo, é importante a tensão sexual permear a relação de todos ali, justamente por serem jovens.
Eu gosto particularmente no desenho que os seios das meninas/mulheres não tenham mamilos, pois gera uma estranheza incrível. E assim o desenho consegue usar a nudez para expressar um sentimento, uma certa narrativa, a extensão de um dilema sem que seja puramente uma nudez exploratória desnecessária. Como se o mamilo tirasse a sexualidade da cena e ficasse apenas o dispositivo narrativo de demonstrar que um personagem está vulnerável ou o que seja.
Ou não, sei lá.
De todo modo o desenho é realmente incrível e continua incrível.
É inevitável não comentar a direção dele, as escolhas narrativas, o ritmo lento que tem. Tudo coisa do Hideaki Anno, a mente por trás do desenho.
Nas primeiras vezes que vi, eu ficava fascinado com a iconografia cristã, ou judaica (nunca sei). Ficava procurando em fóruns o que significavam as mandalas, os nomes, o que tudo significava?
E dessa vez, tanto fez tudo isso, tanto faz o que é a Seele.
É fascinante como a história é contada de forma triste, constrangida. Quantas falas são ditas fora de quadro, onde não vemos o personagem falar, a boca abrir, em que não vemos reações; quantos momentos estáticos de silêncios longos. Quanta coisa é dita sem ter diálogo algum. Sem ter explicação alguma.
Toda a história dos Anjos, os planos, as conspirações e em certo modo até mesmo as motivações dos personagens mais obscuros da série ficam realmente confusos durante a série toda.
Por outro lado, a série é extremamente pesada, carregada e muito expositiva quando se trata de mostrar o isolamento e o abandono de todos os personagens. Todos. Não tem uma alma feliz naquela série. E o desenho não economiza em falar, e repetir, e mostrar como os protagonistas são tristes, são abandonados, estão perdidos, sentem-se isolados. E se as cenas cotidianas não são suficientes, a série tem um número imenso de devaneios pra você não ter qualquer dúvida sobre isso.
Tanto faz quem é a Seele, de onde vieram os Anjos. O que importa é que todo mundo está miserável.
Todo mundo está miserável nesse mundo. De que adianta viver?
Parece que é por aí que a série pergunta. Eu vi assim, pode ser diferente, cada um com sua leitura, né.
O famigerado final de Evangelion, aqueles dois episódios dentro da mente de Shinji são perfeitos dentro da série. Até o episódio 16 ou 17, a série consegue balancear entre o clima descontraído de escola, de aventura, de lutas heróicas e a tristeza de seus personagens. Dali em diante é uma espiral de miséria pra todo mundo. E acho muito legal que a série termine dentro da cabeça de seu protagonista.
É uma jornada de fora pra dentro desde o primeiro episódio. Inclusive narrativamente.
Então eu gosto que os dois últimos episódios sejam o que são.
Eu não vou fingir que entendi plenamente, mas acho que entendi a ideia geral.
E Evangelion é lindo por isso. Depois de ver, a gente vai ler, ver e ouvir teorias e leituras diferentes. O que é sempre bacana.
Quem sabe mais pra frente eu veja tudo de novo e descubra novas coisas. Tem sido sempre assim.Mangá
Mangá
O mangá é muito bom também. Mas é impressionante como o mangá é muito, mas muito mais leve que o desenho. Ele também tem seus momentos tristes e miseráveis e os personagens continuam igualmente abandonados.
Mas tem uma leveza muito maior na relação entre todos. Principalmente entre as crianças.
Os temas continuam ali, mas a turma que fez o desenho (Hideaki Anno) realmente decidiu pesar na miséria psicológica ainda mais. Não que o quadrinho seja alegre, mas é o tanto que o desenho é triste, ave maria.
As diferenças dentro da história não são tão gigantescas, mas é legal ver como algumas coisas se resolvem de forma diferente. Mesmo sendo mais leve na minha opinião, eu acho particularmente pesado que o Toji morra na batalha contra o Dummy System e eu acho que toda a cena deles conversarem antes, o Shinji falar pra ele que vai ficar tudo bem, dar mais corpo pra revolta do Shinji.
Aliás, o mangá amarra algumas coisas de uma forma mais coesa que o desenho... mas sinceramente, depois de um punhado de episódios no desenho, tudo é possível, porque tá todo mundo um caco mesmo.
Eu gosto particularmente da relação entre a Rei e o Shinji no mangá, que é muito mais próxima do que o desenho. É fofo como aos poucos, a Rei começa a criar um laço com ele (uai, é a mãe dele).
O epílogo mostrando a Mari, aparentemente só serve pro Rebuild não parecer totalmente louco, acho. Desnecessauro.
Rebuild of Evangelion
Isso não faz o menor sentido existir. Eu procurei e li, na Wikipédia acho, que o Hideaki Anno está fazendo porque ele ouve dizer que muita gente fica confuso com a história de Evangelion na série. E ele tem razão, eu mesmo num entendo bosta nenhuma da Seele, aqueles paranauês dos Anjos.
E aí ele decidiu fazer.
E num precisava.
Eu num quero saber de onde os anjos vieram.
Mentira, eu morria de curiosidade de saber quem eram os Anjos, daonde vieram, o que foi o Segundo Impacto, o primeiro, o que significavam as mandalas, quem era a Seele, o que era a Rei (tá, essa tava mais claro pela série), porque as coisas acontecem. Enfim, respostas.
Aí eu li na Wiki de Evangelion as respostas e percebi que a curiosidade era melhor do que as respostas.
E por isso eu acho que não precisava desses filmes.
O primeiro é quadro-a-quadro dos primeiros episódios da série, mas sem o mesmo ritmo. Muito mais acelerado (até porque é um filme só), o que tira toda a genialidade daquelas cenas que tinham um ritmo super lento (talvez por orçamento? talvez), mas que funcionavam dentro do constrangimento que todo mundo se encontra.
Aí tu acelera as cenas e... perde essa força.
O segundo filme, no entanto, é lindo. Por qualquer motivo, eles guinam a história para um outro tipo de cadeia de eventos (com muitas rimas ao mangá) e o filme é até um pouco... esperançoso.
Eu adoro que o filme traz do mangá uma relação muito mais próxima da Rei com o Shinji (a coisa da festa no filme), então é bonito quando no final o Shinji faz de tudo pra salvar ela.
É quase um final em que a força da amizade venceu.
Isso é muito bizarro em Evangelion. A miséria deveria prevalecer sempre.
O terceiro é mais fraco e inventaram um deslocamento de tempo, de empresa, de visual. Não funcionou muito pra mim, mas veremos o último porque um sentimento que combina demais pra mim com Evangelion é a curiosidade.
Epílogo
Que venham mais histórias contadas em Evangelion.
Embora eu pouco me importe com a exatidão dos significados, eu adoro os elementos de Evangelion e gostaria de ver, ler, experimentar outras histórias dentro desse mundo.
Adendo — 26 de Novembro 2020
Caraaaaio, esse vídeo do Leo Kitsune sobre Evangelion explica que os Rebuilds são uma continuação do mangá de Evangelion. Na ideia de que o Shinji reinicia o Mundo e essa nova tentativa são os Rebuilds.
Porra, é Rebuild. Reconstrução.
Animal essa ideia.