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Grand hotel

Lê o título. Guardanapos sofisticados, folhas duplas. Contém 50 deles, diz a embalagem. mentira, só tem um.

Ele fica ali, limpinho em cima da coxa – um guardanapo daquele, tão chique, limpando uma boca tão suja e devassa. Procurei fazer tudo de uma vez, imaginando que quanto mais rápido sáisse, menos rastro deixaria – fazia sentido e demorou meia hora.


Meia hora para 24 por 24 era coisa demais.

Abri a folha, vincada em quatro quadrantes cartesianos – lambi cada vinco e da folha sofisticada, fiz quatro folhas únicas, finas. Ensaiei com cuidado cada movimento e a primeira folha rasgou só de olhar, malemá limpou as beiradas. Voltou envergonhada e eu logo a joguei no cesto.

Segunda folha, mais cuidado – sucesso. Grande parte daquele batom, já limpos com finura pelo Grand Hotel, como uma princesa que tira o excesso do gloss. Mas ele queria mais, beijoqueiro danado. Deixou escapar um suspiro de amor, desses que não deixam dúvida.

Foi-se a terceira folha e o beijoqueiro assanhou-se e beijou meu dedo, agora sujo.

- Merda.

Limpei o membro fálico com o mesmo quadrante sujo, nas partes brancas que ainda lhe sobravam, mas ainda haviam alguns minutos de esforço naqueles lábios e eu tinha apenas um papel. Era tirar tudo, ou sair com batom em excesso.

Inteligente, dobrei o quadrante em dois e deixei-o mais grosso – circundei, arrastei, e consegui tirar grande parte daquela maquiavélica maquilagem. E era mesmo um sofisticado guardanapo, nunca tão cremoso no branco do tecido. E o batom ainda tinha a volúpia de manter o baixo relevo de uma rosa que ornava o guardanapo.

Mas ainda me incomodava. Decerto, não estava totalmente bom.

Abri o cesto com cuidado e ali havia coriza, sêmen, ranho, sangue, urina e curiosamente nutella. Não dava para aproveitar nem mesmo o rolo do que antigamente era usado como papel higiênico. Havia apenas uma coisa limpa – o plástico do Grand Hotel. Se usava-se o rolo espremido de vez em nunca, no desespero, por que não o plástico anti-aderente?

Cheio de marcas e contra-indicações, sem cerimônias fi-lo beijar a bocarra. Limpo, fiquei feliz.

Liguei ao zero-oitocentos e agradeci.

Fulo fiquei na janta. Mas aí já não havia pudores – fui ao toalete e fiz do higiênico meu guardanapo.

Bruno Portella

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