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Sodoma e Gomorra

Quarto livro da septologia proustiana se abre para analisar as relações de Marcel com a sociedade de Balbec; sim, o moço volta pra cidade de veraneio insuportável, bem como suas relações com a amiga Albertina na flor da idade.

Se querem saber, com um título desse, eu confesso ter esperado um pouco de sodomia, sacanage, ação, fricção, sempre na elegância de Proust, claro. E isso tornava o livro extremamente interessante na minha cabeça, já que seriam cenas dantescas com a língua extremamente densa e elegante de Proust, portanto como seria? Nunca será, pois nada acontece no livro, para variar. A tônica do livro são essas reuniões da alta sociedade, grupelhos que se juntam para jantar, jogar cartas e falar mal de outros grupelhos – já que existe uma certa rivalidade de círculos (que coisa, olha o Google aí trazendo isso de volta pra sociedade =D).


O começo do livro é fantástico, simplesmente um dos melhores momentos dos quatro livros que li até aqui; ele abre fazendo um estudo aprofundado sobre o que chama de ‘invertidos’, os homossexuais e como eram vistos na França daquela época e como se comportavam em geral e, especificamente, como se comportava um dos personagens mais interessantes dos livros até então e que era, para espanto, um invertido. O termo, embora soe estranho, na mitologia do livro se aplica muito bem e é extasiante ver como um autor que teoricamente frequentou a alta e fina sociedade, sinta-se tão a vontade de tratar do assunto sem os costumeiros tíques preconceituosos que esperamos desse tipo de gente. Nada. Proust é um simpatizante, diríamos hoje.

Mas passa o primeiro momento de encanto, o livro retorna à sua marcha lenta. Ao seu arrasto. As reuniões em casa dos Verdurin refletem a sociedade e são, não nego, maravilhosamente descritas e desempenhadas, de forma que para quem está interessado em estudar a sociedade francesa da época tem um prato cheio (já disse isso). Mas como os outros livros, esse também é uma pipoca de canjica, você tem que pegar várias porcarias para encontrar uma deliciosa no meio do pacote, a pérola no lamaçal – nem tudo presta, e eu não espero que tudo preste num livro, mas a raridade de boas pipocas cansam qualquer ser humano.

Estou lendo faz tempo os livros de Proust e a impressão que tenho (que é a mesma de quem me conhece) é a de que sofro demais para ler as páginas, de que não estou satisfeito. E a ideia da literatura é entreter, é ser algo prazeroso pra quem está lendo, e não tem sido para mim. Tem sido uma tarefa árdua e pesada – toda vez que passo pela pilha de livros em casa, é como chicotadas não poder largar o meu livro e ler coisas menores e mais prazerosas. Pois bem, eu estava travando uma inútil luta com os galhos, como diria Raul. E decidi largar. O livro é numa marcha lenta demais, e eu preciso de algo violento, um elefante caindo do segundo andar, como diria Marcelino Freire.

Procurando pelo elefante caindo do segundo andar no meio da avenida, eu larguei Proust. Um dia voltarei, com certeza. E lerei tudo novamente, mas numa época em que o ritmo de minha vida e do meu coração cantem no mesmo ritmo do livro. Só não vale fazer a brincadeira de que só lerei no leito de morte, hein!

(Se aparecer alguém aqui dizendo que eu não estava preparado para um Proust, eu mando enfiar o monóculo no cu, já advirto. Não é questão de preparo para os clássicos – haha, dó dessa gente – é simplesmente que o livro é chato mesmo. Ponto.)

Bruno Portella

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