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Pé na Estrada

Gostei, mas o livro é mui melhor. Puta clichê, mas prefiro usar logo esse de cara, pra não ficar aquele rodeio todo e tentar fugir do lugar comum mas louco pra resumir logo nessa frase batida. É verdade, sempre é verdade, não tem por que ser diferente agora.

Puta desafio filmar On the road, Salles. Bato palma pela coragem, mas saí do cinema com aquela coisa de – putz, faltou alguma coisa.

On the road; não vou precisar explicar que o livro narra Sal Paradise e Dean Moriarty cruzando e descruzando os Estados Unidos na década de 40/50 misturando suas experiências idílicas, etílicas e transitoriais com cada estado e rodovia que passam. Não preciso né? O livro é por aí. O filme também. Mas o ritmo.



Justamente o que mais faltou. O filme é lindo: até a crepúscula está uma delícia (ui, Marylou) – e Dunst mui desinteressante (veja só que façanha essa inversão, boa Salles). A época é retratada de uma forma bem característica, as loucuras do Jazz continuam fortíssimas em cena e na trilha-sonora, aquele sotaque todo extremamente americano nas falas/linhas que bebem a todo momento na verve do Kerouac (o que torna os diálogos ótimos).

Mas falta o ritmo. O livro é um pancão adiante, sempre adelante, com Paradise sempre tentando acompanhar o incansável Moriarty e o livro inteiro é uma busca desesperada for an angry fix. O livro termina, e você continua nesse mesmo ritmo – fecha o livro, e simplesmente vê a necessidade de sair da sua casa e viajar para algum lugar, fazer alguma coisa, escrever alguma coisa automática, sem trava, sem vírgula.

E eu sinto a arte assim, é aquilo que a obra desperta em mim. On the road me despertou a insana vontade de viajar assim que fechei a última página. E para a vida, me deixou essa única capacidade de escrever de uma forma automática (pra depois aparar os senãos) – e pra mim é justamente essa força que torna a obra de Kerouac tão visceral e foda, tão doentia e arrepiante. Nessa força motriz de te levantar do sofá. Nem tanto nas pílulas filosóficas, nos excessos, nos sexos, nada; tudo isso é ingrediente de um comportamento extremamente furioso (inclusive, senão especialmente, para os dias de hoje em que a conectividade e globalização nos tornou ainda mais estacionados).

E o filme não trouxe isso. Não refletiu aquilo que era a principal força do livro para mim.

Contou a história da melhor maneira possível (considerando o tamanho dela e o número de incríveis personagens que permeiam), tornando-a compreensível o suficiente pra não ser algo extremamente linear, mas ainda assim criando arcos que nos tornam afetos de Sal ou de Moriarty, de Marylou ou de Carlo.

Saí do cinema lamentando não estar com a mesma vontade de viajar que fiquei quando fechei o livro. Que o filme era lento; e as pessoas próximas estavam quase dormindo (quase dormindo! com On the road). E é curioso como o filme em diversos momentos cita O caminho de Swann, o primeiro volume da obra de Proust, Em Busca do Tempo Perdido, pois é chocante a disparidade de uma gangue que lê Proust, um puta livro parado e extremamente lento, enquanto suas vidas não distinguem dia de noite.

E faltou esse trânsito no filme, essa fúria. Que se traduz de forma brilhante na figura de Moriarty, que em certo momento do filme tenta explicar um pouco da essência do seu personagem: um cara que precisa buscar algo furioso para si e que não se sustenta parado, não necessariamente um mau caráter que abandona seu melhor amigo por ladroagem, não – simplesmente Moriarty não conseguiria acompanhar seu enfermo colega nessa viagem de se trancar durante dias numa cama. Incapaz.

Faltou isso. Faltou o filme terminar com a imagem de uma estrada rodando sem final enquanto Kerouac digitava suas páginas infinitas com fúria.

Um puta clichê.

Bruno Portella



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