Resenha de No Caminho de Swann – Em Busca do Tempo Perdido – Marcel Proust
No Caminho de Swann é o primeiro livro da septologia Em Busca do Tempo Perdido, obra máxima do escritor francês Marcel Proust. Um pouco de pesquisa e nem um pouco de genialidade nos apercebemos que ‘os sete’ compõem a vida do próprio escritor, que atua como um narrador onipresente nas páginas. Como a vida, este primeiro volume trata-se de sua infância.
Proust desenlaça esse seu período escrevendo sobre suas maiores paixões enquanto garoto. Sua mãe, uma menina, uma cidade praiana, um poeta, uma atriz. Tudo descrito com uma força tão medonha e cada uma das paixões tão diferente da outra que a leitura se aprofunda e, feito uma linha de remendos, outras memórias e outras situações acabam surgindo levando a uma nova percepção de seu passado. A princípio, essa colcha de retalhos, confunde o leitor desavisado, mas logo você entende que a linha de pensamento do narrador é tão inexata como suas paixões infantis são fortes. Não chega a ser uma autobiografia em que a história sucede dentro de uma cadeia de eventos em que cada situação puxa a próxima; são exatamente memórias que se entrelaçam e não seguem uma cronologia clara de tempo, mas situações que se encaixam em um determinado momento da vida de Proust, compondo aquele determinado estado de espírito.
Entre suas memórias e relatos de infância, Proust faz questão de dedicar um capítulo inteiro ao personagem que dá nome ao volume: Swann. Amigo da família de Proust, o capítulo disseca sua vida na capital e sua paixão doentia por uma cocote. Toda a angústia de Swann acaba se repetindo em suas proporções no pequeno Marcel.
O que encanta no livro e o torna tão novo é a capacidade poética que Proust tira de elementos comuns. A profundidade de suas observações de tudo que o rodeia. A paixão com que descreve as sombras de uma pintura (e não descreve apenas por capricho, mas por que representam para ele certos humores de sua personalidade), ou como faz a sombra de uma lamparina tomar formas de guerreiros e princesas para brincar à noite na luz de sua própria imaginação. Proust chega à perfeição de criar uma sonata de piano que quando tocada, tira o chão de determinado personagem; é uma observação e uma descrição dos andamentos tão inédita e poderosa que largamos o livro querendo ouvir essa sonata de piano e nos decepcionamos no Google quando descobrimos que não existe.
Seu poder de criação é tão severo que muitas vezes a ficção de Proust se mescla perfeitamente à realidade, seja em uma obra que tenha sido criada, por um poeta recriado, por uma cidade que não existe, mas que faz parte de uma das grandes paixões do pequeno Marcel.
A única ressalva fica para a leitura e a necessidade de uma atenção e tranquilidade para ler as páginas – não é como um Dan Brown que os eventos são tão monstruosos que mesmo se o ônibus capotar, você se vira pra ver o que aconteceu, mas volta pra entender o que, no livro, fez capotar o ônibus. A profundidade de Proust é tamanha que parece que o livro foi feito pra ler no campo, num parque, não com distrações cotidianas e buzinas que parecem interromper, feito veneno, a própria sonata de Vinteuil, tão bem descrita por Proust que, mesmo em palavras, chegamos quase a escutá-la.
Por que ler e buscar o tempo perdido? Porque Proust faz da poeira, pó mágico e te leva num outro mundo em que sua sensibilidade se altera e se amplifica através de suas observações e de como constrói o panorama social ao seu redor. Porque te tranquiliza e te angustia ao te ver repartir um amor doentio, ou por ter repartido, ou por um dia ter de repartir essa paixão que arrebate os personagens de Proust.
A doença da paixão, quente e avassaladora é o que é o caminho de Swann, e a cura, ao que tudo indica, buscará(emos) na flor de Raparigas. O segundo volume da septologia.
Bruno Portella