Resenha do filme Lolita, de Stanley Kubrick, 1962
Enquanto lia Lolita não era tarefa difícil imaginar os personagens, tampouco algumas passagens – muito pelo fato de que eu sabia de que havia já uma adaptação cinematográfica. Uma não, duas. A primeira de 62, dirigida por Kubrick e escrita pelo próprio Nabokov e ainda com a gigante participação de Peter Sellers (sem dançar). Receita para a obra-prima, certo? Errado.
Se o filme abre os créditos com uma cena que é uma pancada na testa – tenha lido ou não o livro, o restante das horas não chega a ser tão empolgante como o original (ora, vá!). Um close nos pés tortinhos da menina e a mão caluda do pai pintando-a com vagar, botando algodão por algodão entre seus dedos para pintá-los preguiçosamente; o close inicial parece ser um dos poucos momentos geniais de Kubrick em cima da criação não menos genial de Nabokov.
É um bom filme de 62. E só. Curioso apenas para quem gostou do livro. Como adaptação não é nada inspirada e aquilo que temi durante e ao final do filme, revelou-se verdade depois de fácil procura na interwebz: a censura evitou cenas menos família, digamos assim. E o livro nem é tão baseado nesses momentos pesados, não. Foi mais aquela velha historinha americana dos bons costumes que deixa, dentro de casa, o pai se aproveitar da filha, mas no cinema, com todo mundo vendo, não se mostra nada, jamais!
O filme limita-se a apenas sugerir que existe uma relação ‘estranha’ entre padrasto e filha, mas de uma forma muito superficial (enquanto, na verdade, ela é incestuosa; palavras da protagonista do livro). Portanto a obsessão de Humbert Humbert (James Mason) é tão profunda quanto pires, o que torna essa criação de Kubrick extremamente passional, vibrante e irascível, mas sem causa alguma, quase apenas por ser – o que o aproxima do psicopata que o protagonista do livro tanto se exercita para nos fazer acreditar justamente do contrário.
Parte dos motivos para o protagonista perder a sua força, é que objeto de sua adoração, a filha, tampouco é melhor aproveitada no filme. Começa que ela tem 14 e não 12 (fica quase gritante o esforço em tentar adequar o filme aos bons costumes), e a menina que dizem ter 14, parece ter quase 15 ou 16 (e as passagens do autor descrevendo os seios em botões mal formados, jamais caberiam em um filme que a protagonista está plenamente de uso de seus sutiãos). Perfeitinha e loirinha, ela tem poucos momentos de real toque com sua contrapartida original, em que mostra-se humorada e dominadora nos trechos finais do filme.
Sem tornar Herbert ou Lolita personagens realmente ótimos como no livro, o filme de 62 faz um trabalho imenso para tornar Clare Quilty um coadjuvante muito mais interessante que as duas criaturas centrais da trama. Interpretado por Peter Sellers, o ator dá vozes e trejeitos a um personagem criativo que volta e meia reaparece na trama que abre e fecha sobre si. Impotente em poder desenvolver de maneira plena a paixão de Humbert por sua filha, Kubrick é muito mais habilidoso em criar a obsessão de Humbert para com Quilty.
Esperava mil vezes mais do filme, ainda mais sendo dirigido por Kubrick (oi, Laranja Mecânica), e o que encontrei foi uma adaptação preto-branca claramente influenciado pela censura e, portanto, enfraquecido no cerne de sua discussão, uma vez que, em termos de longa metragem, embora longo, não é longo o suficiente para explorar aquilo que mais é vivo no livro: o amor e a paixão e o desejo desmoralizante de Humbert por sua filha. Não podendo desenvolver esse tema, o filme poderia se bastar pela superfície: o desejo de Humbert por Lolita, mas a censura evita que isso aconteça e, portanto, não chega a ser um filme forte nem como filme, tampouco como adaptação.
(o que é incrível, se tomarmos que o autor do roteiro é justamente o mesmo autor do livro)
Bruno Portella
Enquanto lia Lolita não era tarefa difícil imaginar os personagens, tampouco algumas passagens – muito pelo fato de que eu sabia de que havia já uma adaptação cinematográfica. Uma não, duas. A primeira de 62, dirigida por Kubrick e escrita pelo próprio Nabokov e ainda com a gigante participação de Peter Sellers (sem dançar). Receita para a obra-prima, certo? Errado.
Se o filme abre os créditos com uma cena que é uma pancada na testa – tenha lido ou não o livro, o restante das horas não chega a ser tão empolgante como o original (ora, vá!). Um close nos pés tortinhos da menina e a mão caluda do pai pintando-a com vagar, botando algodão por algodão entre seus dedos para pintá-los preguiçosamente; o close inicial parece ser um dos poucos momentos geniais de Kubrick em cima da criação não menos genial de Nabokov.
É um bom filme de 62. E só. Curioso apenas para quem gostou do livro. Como adaptação não é nada inspirada e aquilo que temi durante e ao final do filme, revelou-se verdade depois de fácil procura na interwebz: a censura evitou cenas menos família, digamos assim. E o livro nem é tão baseado nesses momentos pesados, não. Foi mais aquela velha historinha americana dos bons costumes que deixa, dentro de casa, o pai se aproveitar da filha, mas no cinema, com todo mundo vendo, não se mostra nada, jamais!
O filme limita-se a apenas sugerir que existe uma relação ‘estranha’ entre padrasto e filha, mas de uma forma muito superficial (enquanto, na verdade, ela é incestuosa; palavras da protagonista do livro). Portanto a obsessão de Humbert Humbert (James Mason) é tão profunda quanto pires, o que torna essa criação de Kubrick extremamente passional, vibrante e irascível, mas sem causa alguma, quase apenas por ser – o que o aproxima do psicopata que o protagonista do livro tanto se exercita para nos fazer acreditar justamente do contrário.
Parte dos motivos para o protagonista perder a sua força, é que objeto de sua adoração, a filha, tampouco é melhor aproveitada no filme. Começa que ela tem 14 e não 12 (fica quase gritante o esforço em tentar adequar o filme aos bons costumes), e a menina que dizem ter 14, parece ter quase 15 ou 16 (e as passagens do autor descrevendo os seios em botões mal formados, jamais caberiam em um filme que a protagonista está plenamente de uso de seus sutiãos). Perfeitinha e loirinha, ela tem poucos momentos de real toque com sua contrapartida original, em que mostra-se humorada e dominadora nos trechos finais do filme.
Sem tornar Herbert ou Lolita personagens realmente ótimos como no livro, o filme de 62 faz um trabalho imenso para tornar Clare Quilty um coadjuvante muito mais interessante que as duas criaturas centrais da trama. Interpretado por Peter Sellers, o ator dá vozes e trejeitos a um personagem criativo que volta e meia reaparece na trama que abre e fecha sobre si. Impotente em poder desenvolver de maneira plena a paixão de Humbert por sua filha, Kubrick é muito mais habilidoso em criar a obsessão de Humbert para com Quilty.
Esperava mil vezes mais do filme, ainda mais sendo dirigido por Kubrick (oi, Laranja Mecânica), e o que encontrei foi uma adaptação preto-branca claramente influenciado pela censura e, portanto, enfraquecido no cerne de sua discussão, uma vez que, em termos de longa metragem, embora longo, não é longo o suficiente para explorar aquilo que mais é vivo no livro: o amor e a paixão e o desejo desmoralizante de Humbert por sua filha. Não podendo desenvolver esse tema, o filme poderia se bastar pela superfície: o desejo de Humbert por Lolita, mas a censura evita que isso aconteça e, portanto, não chega a ser um filme forte nem como filme, tampouco como adaptação.
(o que é incrível, se tomarmos que o autor do roteiro é justamente o mesmo autor do livro)
Bruno Portella