Tarde chuvosinha em São Paulo – de um sábado na caverna de Platão a um domingo agradável, dessa garoa fina, mas pura que só São Paulo parece ter. De tanta estufa poluente, a garoa, que nos permite andar tranquilamente ao contrário da chuva torrencial, é algo somente bom, mas interessante.
Centro Cultural está promovendo uma mostra de Julia Loktev, diretora russa, talvez? Radicada no norte das Américas? Me parece que sim; sei pouco, ligo menos. Fui ver pela sinopse que descolei do sítio: um homem atravessando a rua é atropelado por um carro e fica entre a vida e a morte. Nove anos mais tarde, sua filha usa uma câmera para tentar entender o impacto em sua família
Lendo agora, faz mais sentido – claro! Mas o documentário é, de certa forma mui interessante, por ser um mergulho tão profundo na rotina dessa mãe e desse pai (pois o sinopsista do sítio está sendo agradável demais chamando aquele par despedaçado de família – ainda mais posto que a filha não passa de uma lente).
Não tem família nenhuma ali, e existe um esforço muito, mas muito fraco em estabelecer um passado em que houvera uma ideia de família – nem assim se estabelece. O peso do documentário (cenas reais, ok?) está no peso da mãe Larisa – crua, extremamente responsável e sensata. Longe da pieguice dos grandes amores que resistem a tudo (até por ser fatos reais), pelo contrário o documentário é puramente o retrato de um cotidiano pesado – e se com meia hora de filme, já estamos cansados diante de tudo aquilo, é de se desesperar junto com a ‘protagonista’ que precisa viver dez, quinze, ou quantos anos mais, dia sobre dia, com aquilo que nem ela se exime de chamar de fardo.
No mais, o filme revela ainda uma extrema insensibilidade da diretora – a que preço de qual arte? – em livremente, protegida atrás de uma câmera, cutucar na ferida duramente fechada de sua própria mãe; que vem a sangrar nos momentos finais do filme.
É um documentário interessante, sem dúvidas. Mas que não indico, sabe. É pesado, é lento, arrastado – uma forte simulação muito fiel daquele cotidiano sem cores. Você não cria laços nenhum com a imagem, você é apenas exposto à agonia daquele dia-a-dia. E, pode ser muito pessoal, mas a vida já não é leve o bastante para suportarmos as agonias de um documentário.
Na curiosidade, talvez.
Não que não tenha gostado.
Bruno Portella