Enquanto lia Lolita não era tarefa difícil imaginar os personagens, nem tampouco algumas passagens – muito pelo fato de que eu sabia de que havia já uma adaptação cinematográfica. Uma não. Duas: a segunda de 97, dirigida por Adrian Lyne (também dirigiu Flashdance, what a feeling!) e com Jeremy Irons no papel do professor Humbert Humbert.
Um filme muito mais fiel ao original do que o de 62 escrito pelo próprio autor do livro (vai entender) e que é sim muito melhor que o de 62, tanto como filme como adaptação de uma obra-prima da literatura. A história, a mesma: europeu se muda para a América e encontra na casa de Charlotte Haze, a mulher que o hospeda, o objeto de seu amor e desejo: Lolita, a filha.
Ah, Lolita.
Primeiro, a curiosa preocupação em trazer a história do Professor Humbert, mostrando um pouco do seu passado, quase como um pedido de desculpas antes de começar – enquanto no filme essa infância parece ser mostrada para salvar a alma do réu determinando um trauma infantil para sua desordem adulta; no livro, muito pelo contrário, o protagonista não coloca a culpa de seu demônio naquele fato infantil, mas justamente pontua que aquela foi a primeira vez que o desejo por uma ninfeta lhe assaltou. Em que gere a dúvida sobre o que pretendia o filme com isso, tanto não importa, pois de uma forma ou de outra acaba providenciando ao professor a profundidade que tanto lhe faltou no filme de Kubrick.
Além disso, Irons encarna de maneira muito mais interessante (e fiel) o personagem principal ao contrário do irascível e cheio de si feito por aquele de 62; durante o livro temos a certeza de que se trata de um homem terrivelmente reprimido e até tímido por saber justamente que seus desejos são repugnantes e o de um demônio – e a diferença entre o quase acuado Humbert de Irons para o impaciente de Mason logo quando chegam a Ramsdale, cidade americana, é o que torna o drama de 97 ainda mais interessante, se percebermos que no final da narrativa, Irons fez seu Humbert cometer loucuras e mudar completamente desde o início, se voltarmos a Mason, percebemos que ele apenas o piorou e tornou-se mais raivoso do que o inicial.
Outro ponto que contribue para que esse filme se torne mais delicioso que seu antecessor e melhor como adaptação do romance, é a falta da censura moral. Principalmente no que toca à garota (ui).
A menina, que agora sim, merece um parágrafo só seu. Ainda que pareça, fisicamente, um ou dois anos mais velha que a Lolita dos livros, o seu comportamento durante o filme é direcionado com perfeição aos de uma mocinha de 12 (no modo como seus pés são sujos, mal pintados e feios, no modo como toma leite deixando bigodes, ou se suja toda tomando sorvete, fazendo pirraças com balas ou com o rosto). Está ali uma menina de 12, que dá muito mais justiça ao nome do filme. Como no livro, oscila seu humor entre o da menina encantadora e o da menina exploradora, sem o menor pudor de usar seu corpo sobre o padrasto para conseguir o que ela precisa, ou simplesmente em momentos que desdenha da situação tipicamente como uma pré-adolescente (e é assustador como em determinada cena, mostrando a sua habitual cara de bocejo ante a aflição do protagonista, este lhe assalta com um tabefe no rosto).
A cena mais marcante do filme é aquela sobre a mesma passagem lindíssima no livro e que tanto decepciona no pretobranco de Kubrick. O momento em que Lolita está entrando no carro para deixar Ramsdale para ir ao acampamento de garotas, enquanto Humbert observa pela janela de seu quarto. A passagem daí, é justamente a que encontra o tom mais sublime do livro, a cena de 97 capturou com perfeição esse momento. Se antes a isso não teve os minutos suficientes para tornar toda a relação do padrasto com a filha um ritual de não-me-toques escondidos e tensos para que, enfim, no momento que ela está deixando a casa, ela também o liberte de suas aflições apaixonadas, o filme, ao menos, consegue capturar o momento da explosão com muita habilidade. (Existem oito cenas deletadas que amplificam o relacionamento entre os dois, ainda em casa, que são interessantes – nem todas, mas algumas poderiam ter sido mantidas, como aquela cena em que Humbert vê um cartaz de um bandido e lentamente vê a sua imagem como procurado, exatamente como Nabokov narra no livro como seria caso fosse feito um filme dele – e fizeram. Dois ainda.)
Esse sim, pode carimbar, que o filme é legal. Tenha lido ou não o livro (lembre-se, o outro era apenas curioso para quem viu o filme). Dispa-se dos moralismos e veja um ótimo filme – se tiver lido o livro e lembrar-se bem dele, se deliciará em notar alguns diálogos que são mantidos ao original. Irons está ótimo, a menina é totalmente lolita, a trilha sonora é primorosa (esqueci de mencionar, mas é Ennio Morricone, que trilhou Bastardos Inglórios, Cine Paradiso entre outros (eu não sei de nada, mas o que sabe a Wikipédia, amigo.)).
Alugue, baixe, veja. Lolita. E leia. Lo. Li. Ta.
Bruno Portella
Ah, Lolita.
Primeiro, a curiosa preocupação em trazer a história do Professor Humbert, mostrando um pouco do seu passado, quase como um pedido de desculpas antes de começar – enquanto no filme essa infância parece ser mostrada para salvar a alma do réu determinando um trauma infantil para sua desordem adulta; no livro, muito pelo contrário, o protagonista não coloca a culpa de seu demônio naquele fato infantil, mas justamente pontua que aquela foi a primeira vez que o desejo por uma ninfeta lhe assaltou. Em que gere a dúvida sobre o que pretendia o filme com isso, tanto não importa, pois de uma forma ou de outra acaba providenciando ao professor a profundidade que tanto lhe faltou no filme de Kubrick.
Além disso, Irons encarna de maneira muito mais interessante (e fiel) o personagem principal ao contrário do irascível e cheio de si feito por aquele de 62; durante o livro temos a certeza de que se trata de um homem terrivelmente reprimido e até tímido por saber justamente que seus desejos são repugnantes e o de um demônio – e a diferença entre o quase acuado Humbert de Irons para o impaciente de Mason logo quando chegam a Ramsdale, cidade americana, é o que torna o drama de 97 ainda mais interessante, se percebermos que no final da narrativa, Irons fez seu Humbert cometer loucuras e mudar completamente desde o início, se voltarmos a Mason, percebemos que ele apenas o piorou e tornou-se mais raivoso do que o inicial.
Outro ponto que contribue para que esse filme se torne mais delicioso que seu antecessor e melhor como adaptação do romance, é a falta da censura moral. Principalmente no que toca à garota (ui).
A menina, que agora sim, merece um parágrafo só seu. Ainda que pareça, fisicamente, um ou dois anos mais velha que a Lolita dos livros, o seu comportamento durante o filme é direcionado com perfeição aos de uma mocinha de 12 (no modo como seus pés são sujos, mal pintados e feios, no modo como toma leite deixando bigodes, ou se suja toda tomando sorvete, fazendo pirraças com balas ou com o rosto). Está ali uma menina de 12, que dá muito mais justiça ao nome do filme. Como no livro, oscila seu humor entre o da menina encantadora e o da menina exploradora, sem o menor pudor de usar seu corpo sobre o padrasto para conseguir o que ela precisa, ou simplesmente em momentos que desdenha da situação tipicamente como uma pré-adolescente (e é assustador como em determinada cena, mostrando a sua habitual cara de bocejo ante a aflição do protagonista, este lhe assalta com um tabefe no rosto).
A cena mais marcante do filme é aquela sobre a mesma passagem lindíssima no livro e que tanto decepciona no pretobranco de Kubrick. O momento em que Lolita está entrando no carro para deixar Ramsdale para ir ao acampamento de garotas, enquanto Humbert observa pela janela de seu quarto. A passagem daí, é justamente a que encontra o tom mais sublime do livro, a cena de 97 capturou com perfeição esse momento. Se antes a isso não teve os minutos suficientes para tornar toda a relação do padrasto com a filha um ritual de não-me-toques escondidos e tensos para que, enfim, no momento que ela está deixando a casa, ela também o liberte de suas aflições apaixonadas, o filme, ao menos, consegue capturar o momento da explosão com muita habilidade. (Existem oito cenas deletadas que amplificam o relacionamento entre os dois, ainda em casa, que são interessantes – nem todas, mas algumas poderiam ter sido mantidas, como aquela cena em que Humbert vê um cartaz de um bandido e lentamente vê a sua imagem como procurado, exatamente como Nabokov narra no livro como seria caso fosse feito um filme dele – e fizeram. Dois ainda.)
Esse sim, pode carimbar, que o filme é legal. Tenha lido ou não o livro (lembre-se, o outro era apenas curioso para quem viu o filme). Dispa-se dos moralismos e veja um ótimo filme – se tiver lido o livro e lembrar-se bem dele, se deliciará em notar alguns diálogos que são mantidos ao original. Irons está ótimo, a menina é totalmente lolita, a trilha sonora é primorosa (esqueci de mencionar, mas é Ennio Morricone, que trilhou Bastardos Inglórios, Cine Paradiso entre outros (eu não sei de nada, mas o que sabe a Wikipédia, amigo.)).
Alugue, baixe, veja. Lolita. E leia. Lo. Li. Ta.
Bruno Portella