Lá e de volta outra vez.
Foi pras telas gigantescas e céleres dos quarenta e oito picas por segundo, exatamente a metade do livro Hobbit, antecessor da grandissíssima Saga do Anel, de Tolkien. Pôs-se o nome de Uma Jornada Inesperada (memo nome do primeiro capítulo do livro). Hobbit que conta as aventuras de Bilbo Bolseiro, tio do malfadado Frodo, graças à quem, o anel vai parar no Condado, e o resto o Senhor dos Anéis já nos contou.
Filme de fã para fã. Uma das poucas oportunidades do cinema em que, com o lucro absolutamente garantido, foi dada carta branca pro homem fazer da forma que ele achasse melhor – num certo dia, o porco capitalista entrou no set e gritou: quer saber? Façam três filmes, que vai dar mais dinheiro. E todos urraram de alegria, com três filmes dá pra colocar ainda mais coisa, já imaginou? Cada filme com três horas.
O filme é completamente fora dos padrões comerciais; barrigas gigantescas, cenas longas, não tem reviravoltas, não tem dramas amorosos, tem personagens demais na tela. Tudo errado. Mas todo certo. O filme tem tudo aquilo que qualquer fã de qualquer coisa espera dos filmes que vão representar seus desenhos favoritos, suas séries favoritas e, principalmente, seus livros favoritos. Todo filme que sai de um livro, a gente precisa sempre engolir esse sapão que é o tal da “ahh, é uma linguagem diferente”, “ah, não dá pra fazer tudo” e até nos acostumamos com isso. Tudo bem cortar essa cena que eu adoro, cinema é outra coisa. E aí vem sempre aquele jargão óbvio de toda resenha: o livro é mil vezes melhor.
Pois eu arrisco aqui de bicão, que a primeira metade do Hobbit-filme é melhor que a primeira metade livro (ai, minha santa).
É simplesmente genial o trabalho que foi feito de pegar uma história que é extremamente diferente no tom do Senhor dos Anéis e colocá-la dentro da mesma releitura que foi feita na trilogia original (só ver a diferença entre os elfos de Valfenda nos livros, e como nos filmes a abordagem é muito mais coerente no comportamento). As alterações que foram feitas são sutis, e se uma cena é cortada, é muito bonito ver o respeito ao fazer pelo menos uma citação à ela mais pra frente (como quando Bilbo estraga os botões de seu casaco igualzinho ao livro, mas em momentos diferentes, ainda que próximos). Ou mesmo quando, ao contrário, o diretor insere coisas que não estavam ali (como Radagast e o Necromante – que, arrisco eu, serem temas pro terceiro filme) ou mesmo a presença massiva de Azog, o nêmesis de Thorin, Escudo de Carvalho, tornando o seu personagem mil vezes maior do que o Thorin do livro. Ou ainda cortando as charadas de Gollum – viu, nem tudo é ipsis literis, o diretor até tenta manter a tal da sagrada linguagem cinematográfica.
A real é que o fã vai sair completamente entusiasmado, maravilhado pelo filme. Vai ver mais de uma vez, comprar coisas relacionadas, comprar o DVD, o Blu-ray, o extendido, tudo que vier pela frente – e a indústria vai fazer um grande dinheiro, como já se sabia de antemão.
Agora o desavisado.
Esse vai sofrer. Esse vai dormir, vai reclamar, não vai entender nada das musiquinhas tipo Branca de Neve, vai xingar muito no twitter, vai escrever crítica relevante, vai ficar ressabiado, vai perguntar pelo Frodo, pelo Voldemort, vai sentir falta da Nina. E eu concordo.
Mesmo assim, vale a pena ver. Sabe por que? Por que todo mundo tem um livro que adora, tem um desenho que sempre curtiu; e essa é a chance de sair do cinema e pensar: “pô, Dorian Grey podia ser assim, né”. Sei lá, o filme do He-man podia ser assim. E quando eu sou fã de algo, eu quero mais é que o filme seja longo, quero reconhecer as falas do livro (pô, é sensacional o Gandalf rimando com o título de um capítulo do livro, só pra citar mesmo, ainda que nem tivesse uma fala pra isso, como se demarcasse claramente o começo do capítulo), quero que as cenas se conectem com aquilo que eu imaginei.
E foi nesse entusiasmo que eu continuo com Hobbit. Querendo ver todas as versões possíveis, e com a força de Greyskull – hei de vê-las.
E sair do cinema querendo mais, querendo o próximo, e o terceiro e depois mais toda Silmarillion.
E é isso.
Namárië
Bruno Portella