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Expelliarmus, Harry Potter!

(Texto resgatado, uma resenha da série Harry Potter)

A septologia de Harry Potter é uma daquelas séries arrebatadoras, criativas e feitas sob medida para que possamos nos viciar, nos irritarmos e nos envolvermos com fúria nos livros – principalmente se você cresce junto.

Adotando um mundo bruxo paralelo ao nosso e escondido de todos nós trouxas, J.K. Rowling cria uma fantasia tão colorida e fascinante que é difícil não se deslumbrar com as excentricidades dos livros. Livros, que começaram a ser publicados em 97 e só findaram dez anos depois. Compõem facilmente o crescimento ano a ano de seu protagonista.

Dispenso a sinopse da história, todos a devem conhecer.


Os quatro primeiros livros são emblemáticos: lançados ano a ano de 97 a 2000 foram aqueles que antecederam o primeiro filme (e não vou entrar no mérito destes aqui) e são, de longe, os mais inocentes de todos, embora sejam muito mais coesos entre si do que os três posteriores. A cada livro lançado cobre um ano letivo de Harry na escola de bruxaria Hogwarts – e assim como o protagonista e sua trupe cresce, também crescem os conflitos, nascem desejos, e pioram as ameaças, editorialmente a publicação ganha em páginas e seriedade.

Cada publicação é como um diário do ano letivo de Harry em Hogwarts, sua escola de magia. Hogwarts que, aliás, faz parte do principal trunfo da autora em cativar seus leitores: o ambiente criado, o verdadeiro universo criado. Principalmente quando posto à margem da realidade, Hogwarts, Hogsmeade, Beco Diagonal, Gringotes, Ministério da Magia e etc compõem um rol de lugares encantados que, de tal forma, bem descritos e imaginados pela autora torna a ambientação da série é um dos pontos mais altos de toda a obra.

O grande inimigo do protagonista, Voldemort, por exemplo, apresenta-se com rotineira obviedade em cada publicação, mas somente no quarto a sua aparição é realmente digna de toda mítica posta sobre ele até então. O quarto livro, Cálice de Fogo, é o que traz as maiores novidades até então; revelando o ápice de seu próprio esporte (quadribol), mostrando outras realidades com outras escolas de Magia, além de abrir um pouco mais o leque de personagens e suas reações que se insinuam a disputar o protagonismo com Harry – até então, irretocável como o grande herói da história. E mesmo entre os subsequentes, é um dos livros mais cheios de ação, aventura e mistérios.

O quinto livro, a Ordem da Fênix, é, na opinião minha, o melhor dentre todos os sete lançados. É onde a autora alcança o seu melhor nível de ambientação e, principalmente, do desenvolvimento de seus personagens: tornando-os mais independentes da pena da autora ou dos eventos que acontecem, não sendo escravos de clichês e comportamentos de prateleira. Tornam-se conflitantes, cheios de intrigas, esquemas, tramas e brigas; tornam-se menos perfeitos do que nas publicaçõs anteriores, mais críveis e definitivamente mais interessantes.

Por ser o livro de transição dos momentos leves e divertidos dos quatro primeiros anos de Hogwarts até a plena aparição de Voldemort. Uma pena que a curva ascendente da qualidade da série pare por aí, pois o sexto livro é uma vergonha perto do seu antecessor – até mesmo dos primeiros que, embora fossem inocentes, carregavam um motivo para serem leves.

A minha teoria é que a influência do sucesso estrondoso dos filmes no livro seis é escancarada; os personagens perdem seu desenvolvimento psicológico que haviam ganho no quinto, a ambientação é posta a segundo plano para dar lugar à ação e aventura narrada como se fossem na tela de uma projeção – quase como um roteiro. As expressões descritas já não são mais características dos personagens originais, não é mais Rony que torce a boca em desaprovação é o próprio Grint que aparece nos livros. Um soco no estômago do leitor ávido por originalidade. Os personagens conflitantes e até mesmo a insinuação de alguns que se sobrepõem a Harry simplesmente somem para dar lugar ao protagonista, soberano no livro e extremamente unidimensional.

Essa influência cinematográfica na pena da autora é um abstracionismo, na verdade. Pois se o sexto livro, Enigma do Príncipe, parece terrivelmente influenciado pelos filmes, por que o quinto, Orde da Fênix, não apresenta estas falhas? O quinto livro, lançado em 2003, não apresenta nenhum desses pontos fracos do sexto livro, lançado em 2005. Para este que escreve, o quinto livro já estava em fase de revisão e toda sorte de ‘pós-produção’ de um livro quando, em 2001 e 2002, foram lançados os dois primeiros dos sete filmes a serem lançados. Por isso não teve tanta influência no conteúdo. Mas o Enigma do Príncipe, sexto livro, já tinha 3 blockbusters no colo e a influência destes fica muito evidente – embora os fãs e a própria autora cheguem a negar essa má influência. A morte de um importante membro da Ordem soa até como um grito desesperado para salvar a publicação, que até funciona, pois é a última grande morte da série.

No sétimo livro, por sorte e por ser o último, a autora toma um cuidado melhor na forma como trata os personagens principais, embora ainda estejam longe do nível alcançado em a Ordem da Fênix e até mais perto do heroísmo barato do sexto. A história é extremamente viciante e prende a leitura por meio dos mistérios sempre a serem solucionados – essa literatura episódica tão gostosa de acompanhar.

O sétimo vem com a impressão de consertar o sexto.

Ligeiramente melhor, ainda vem cheio dos seus problemas. Mata-se personagens a esmo e NENHUMA morte do livro é realmente digna de seus cadáveres (tá, talvez Edwiges tenha tido uma morte à altura dela, o problema é que todas as outras mortes foram na mesma altura da coruja ou até menor). Na sede de chocar, ela joga personagens queridos na lixeira de forma grotesca – e mesmo o sexto livro sendo uma grande porcaria, parece que a última grande morte ficou ali, nas páginas do Príncipe mestiço. Nem mesmo a morte de (Spoiler) Você-Sabe-Quem é bem feita, pelo contrário, é uma das cenas com menos cuidado do sétimo livro.

Mas ele tem seus méritos. A ambientação melhora muito de seu antecessor e mesmo o desenvolvimento dos personagens (tirando a morte dos que se vão) tem uma melhora significativa – embora ainda seja bem visível alguns tiques e vícios dos atores que os interpretam nas telinhas (as caretas de Rupert Grint estão todas lá). Sem falar em falas que soam como ‘gags’ de cinema, ou narrações que são típicas de passagem de cena faltando apenas as marcações técnicas de um roteiro.

Não posso negar, no entanto, que a história não seja envolvente, e o é. Mesmo enquanto os protagonistas se perdem aparatando e desaparatando de floresta em floresta fugindo, errando e tornando o ritmo da história extremamente lento, o livro se sustenta por dar-nos elementos a que descobrir na página seguinte. Apostando ainda na imbecilidade dos leitores, Rowling vê necessidade de explicar tudo nos mínimos detalhes para que compreendamos tudo (e ainda assim, me soa um mistério insolucionável Draco ser o dono da Varinha das Varinhas [?]). Ao escolher a própria fala dos personagens para nos fazer entender suas tramas, ela torna algumas cenas tão arrastadas e cheias de falatório que até mesmo a cena final do livro soa oca, vazia, e sem a menor tensão que os últimos seis livros prometia desse encontro.

Mas nem a autora nem os leitores estão preocupados com isso.

A série é feita pra entreter. E nesse particular quesito, eu não conheço uma série somente que seja capaz de sobrepujar a de Harry Potter. Ela é totalmente voltada para o entretenimento, sem a menos preocupação de nos fazer refletir como Fronteiras do Universo de Phillip Pulmann, ou de se tornar grandiosa como O Senhor dos Anéis de Tolkien. Não, Harry Potter é entretenimento puro e ponto. Embora eu prefira as duas séries mencionadas neste parágrafo por serem menos infantis, Harry Potter é ótimo para esvaziar a mente.

Ao fim, dá vontade de pedir à autora mais sete livros que nos entretenham como estes sete que se foram. Focados nas crianças apresentados nas páginas finais indo para escola de magia. Muito mais do que pelas crianças (Alvo Severo é uma forçada desnecessária, cá entre nós) é o sentimento que partilhamos com os próprios personagens de jamais sairmos de Hogwarts.

Bruno Portella

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