Enquanto Shikasta, o primeiro livro da série nos dá todo um panorama da colonização da Terra por Canopus (que ocupa o hemisfério norte), As Experiências de Sirius foca justamente no sistema planetário responsável por colonizar o Hemisfério Sul da Terra. Mas ao contrário de Shikasta que recontava a história através de relatórios oficiais e o diário da irmã de um dos emissários encarnados, esse livro foca nas aflições de uma personagem chamada Ambien II, uma embaixatriz do alto escalão de Sirius, que pouco a pouco começa a questionar o pensamento de seu próprio império.
Dona de uma obsessão sobre tudo que envolve Canopus, o império rival, Ambien tem contato com diversos emissários canopeanos e o que é uma desconfiança no início do romance vai se desenvolvendo entre auto-críticas e análise póstumas para uma posição de questionamento acerca de tudo aquilo que sua nação fez e está para fazer. Escreve ela usando um tom extremamente questionador de todas as ‘verdades’ vigentes dentro de sua própria nação – idéias que dizem respeito à conduta humana adotada por eles, bem como a relação e a importância do trabalho de Canopus.
Ouso dizer que Sirius é aquele que mais se adequa ao pensamento humano ocidental – ou até ao oriental. Um estado mental degenerado em que se acha muito mais importante do que realmente é – e busca em Canopus, seu rival, toda sorte de motivos para diminuí-lo e torná-lo insignificante, no mínimo inferior à Sirius. E o relato de Ambien vai contra as convenções e paradigmas criados.
Este relatório das Experiências de Sirius feito por Ambien II, no entanto, vai tratar de como sua visão mudou sobre Canopus, sobre Sirius e sobre si mesma. É ela quem percebe que Sirius toma para si todo tipo de motivo para acusar Canopus; é ela quem enxerga que Sirius não compreende Canopus; é ela, em última instância quem percebe, tardiamente, as falhas de seu próprio Império no passado.
Tudo se relata de uma visão do passado, pois como ela mesmo conclue: é impossível se desprender desse sintoma terrível de perceber as coisas apenas quando elas já passaram. Rohanda, a nossa Terra, assim chamada pelos Canopeanos é o plano de ambiente para que o relato tenha ainda mais veracidade entre as relações dos dois impérios – e mais tarde, entre Shammat e seu planeta pirata, Puttiora.
Sirius atravessa uma terrível crise existencial causada por sua avançadíssima tecnologia que leva seus milhões e milhões de habitantes no extremo ócio, inclusive, implorando por algum tipo de trabalho – já que a labuta se automatizou inteira. A ociosidade é tão profunda e o ‘avanço’ é tão forte, que estes mesmos homens que clamam por trabalho, não se vêem dignos a terem de trabalhar arduamente e mesmo os que se submetem aos planos de incentivo para acabar com a crise, não têm capacidade física para conseguirem êxito – e se afundam ainda mais na depressão por serem inúteis. O resultado: Sirius decide diminuir drasticamente o número dos habitantes de suas inúmeras colônias – embora Ambien saiba que isso não sanará o problema básico do Império, a Crise Existencial.
O livro complementa de forma plena o primeiro volume da pentalogia em que podemos verificar justamente a diferença ideológica de cada sistema colonizador e, ao contrário do primeiro volume, onde se vislumbra o ‘essencial’, talvez o lado certo – nesse, acabamos nos identificando com Sirius. Somos nós ali. Seremos esses?
Bruno Portella
Leia também a resenha do primeiro livro, Shikasta e do segundo livro, O Casamento das Zonas 3, 4 e 5.